Texto: Cristovam Melo
“If you know your history
Then you would know where you're coming from”
É com essa frase "Se você conhecesse sua história, então você saberia de onde está vindo" de Buffalo Soldier (Confrontation, 1983), música do cantor e compositor jamaicano Bob Marley, que faz referência às “cavalarias negras”, que damos início à nossa conversa sobre a histórica Praça General Tibúrcio (dos Leões) no centro de Fortaleza/CE, um dos sítios mais importantes da Terra da Luz.
Dito isso, não poderíamos começar de outra forma senão pela experiência ancestral da igreja de Nossa Senhora do Rosário, que bem poderia se chamar dos Pretos, como na Bahia. Sim, pois o que se sabe é que onde hoje está a igreja - construída em pedra e cal -, houve uma capela de taipa construída pelos negros em 1730 para fazer suas orações e lamentos. Cleudo Pinheiro de Andrade Júnior nos conta que:
“Inicialmente, esse espaço religioso era uma pequena capela de taipa, construída
de forma um tanto incomum por um negro forro, em pleno espaço público”
Sabe-se que a primeira celebração da Festa de Nossa Senhora do Rosário ocorreu, “diante do pagamento da quantia de 10$000 (dez mil-réis) pela missa e 7$000 (sete mil-réis) pela música aos padres” (Tatiana Lima), no dia 27 de dezembro de 1747. Cleudo complementa:
“Dessa capela, transformada por algum tempo em catedral, sabe-se do culto a Nossa Senhora do Rosário, aliás, importada
da África Portuguesa e que, juntamente com outras igrejas-irmã no interior do estado, criaram um movimento aglutinador
de negros cultuadores da calunga e de outros deuses”
A igreja como está hoje só foi construída em 1755. O último reparo feito foi em 2004. Hoje, quem vê o estado degradante de abandono em que se encontra esse importantíssimo patrimônio arquitetônico, não consegue imaginar que ele já serviu de matriz duas vezes: entre 1821 e 1854, enquanto era construída a antiga matriz, e de 1937 a 1963, durante a construção da atual Igreja da Sé, a Catedral Metropolitana de Fortaleza.
Em 1847, chuvas fortes abriram fendas devido ao grande desnível entre a praça e a rua de baixo (Sena Madureira). O presidente da província, Inácio Corrêa de Vasconcelos, mandou construir uma muralha “de 384 palmos de extensão” com pilares, grades de ferro e escadarias.
Com a reforma de 1912 foi retirado o gradil de ferro e instalados jarros bronzeados e as famosas estátuas dos leões vindas da França que deram à praça o nome popular “Praça dos Leões”. Além dessas e a do general Tibúrcio, existe uma estátua em escala real da escritora Rachel de Queiroz sentada em um dos bancos da praça
Por resolução da câmara de 02 de fevereiro de 1887, em homenagem ao general Antônio Tibúrcio Ferreira de Sousa, que havia morrido dois anos antes, a praça passou então a se chamar Praça General Tibúrcio.
Em 1888 foi construído o panteão e inaugurada a estátua, a 1ª primeira de Fortaleza, fabricada nas oficinas parisienses Thiébaut Frères; O pedestal em mármore foi esculpido pelo artista Frederico Skinner, o gradil foi na Fundição Cearense, pelo artista Valdevino Soares Freire e as colunas foram fundidas nas oficinas da E. de Baturité e moldadas pelo artista Alfredo Milton de Sousa Leão. Somente em 1952, os restos mortais do general foram conduzidos à cripta abaixo do pedestal.
ASSEMBLEIA PROVINCIAL (MUSEU DO CEARÁ)
O prédio denominado Palacete Senador Alencar, teve a primeira fase da construção aproximadamente em 1856/1857. A obra ficou paralisada durante 6 anos, de 1857 a 1863, e foi concluída em 1871.
De usos diversos, já foi a Assembleia Legislativa - fechada durante a ditadura Vargas -, sediou a Academia Cearense de Letras, a Biblioteca Pública, o Liceu do Ceará, o Instituto do Ceará e o Tribunal Regional Eleitoral.
Estima-se que o projeto é do arquiteto pernambucano Adolfo Herbster. Segundo o professor arquiteto José Liberal de Castro, “trata-se de edifício de risco erudito em correta linha Neoclássica”.
PALÁCIO DA LUZ
É o prédio público mais antigo da cidade de Fortaleza (1781). Foi construído com auxílio da mão-de-obra indígena. Dentre os muitos usos, foi durante muito tempo, até 1963, a sede do Governo Estadual. Desde 1983 sedia a Academia Cearense de Letras, a mais antiga do país. Parte da obra do sobralense Raimundo Cela, o maior pintor cearense, encontra-se lá.
PALACETE BRASIL
Construído em 1915, o prédio é herança da Fortaleza Belle époque. Sim, a Fortaleza afrancesada era inspirada na euforia da revolução científico-tecnológica que ocorreu na Europa entre o final do século XIV e o início do século XX. O Palacete Brasil já foi o luxuoso Hotel Brasil e hospedou figuras ilustres da dita alta sociedade.
A deportação de Clarindo de Queirós
A praça General Tibúrcio já foi palco de vários conflitos violentos, como na ocasião da deposição do governador José Clarindo de Queirós, em 1892, entre os cadetes rebelados da escola militar do ceará, com o apoio do então presidente Floriano Peixoto, que queria fora do governo os aliados de seu antecessor, Deodoro da Fonseca, e as forças da segurança do Palácio do Governo.
A Revolta Popular de 1912
Sufocados pelas regras do “mundo da civilidade” e inconformados com a oligarquia Accioly, Airton de Farias e Artur Bruno contam que “Mais de 1500 pessoas cercaram o Palácio do Governo e cortaram o fornecimento de água, luz e alimentos para Accioly, ali refugiado com os parentes“.
Encurralado, não restou outra alternativa a Nogueira Accioly senão renunciar. Após 16 anos, chegaria ao fim a oligarquia Accioly. Após isso, Airton e Artur descrevem que “A notícia foi recebida com euforia pelos fortalezenses. Festas nas ruas, alegria, abraços, lágrimas, sorrisos.”
A praça já se chamou largo do palácio, pátio do palácio e 16 de novembro. Na tentativa de criar-se um ponto de encontro de artistas e artesãos, a secretaria da cultura investiu em nomes como “praça do artista” e “praça do artesão”, porém, sem êxito.
Os restos mortais do Major João Facundo de Castro Menezes jazem na parede direita da igreja de Nossa Senhora do Rosário.
A paginação do piso em pedra portuguesa no trecho da rua General Bezerril conserva em seu desenho o caminho onde passavam os trilhos dos bondes.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário: 30/11/83
Assembleia Provincial (Museu do Ceará): 28/02/1973
Palácio da Luz (Academia Cearense de Letras): 30/11/83
Praça General Tibúrcio: 27/04/91
Em quase três séculos de fundação, é necessário entendermos o espólio entre o barro da capela de taipa e a pólvora dos canhões; É imprescindível bebermos das nossas raízes ancestrais para entendermos de onde viemos, quem somos e em que direção devemos ir.
O patrimônio material consolidado e o patrimônio intangível são rastros da nossa história. As cicatrizes dessa história estão espelhadas pela cidade, registradas na memória através dos livros e da tradição dos antigos para que possamos revisitar o passado antes de olhar para o futuro.
SOUZA, Simone de; ALENCAR, Terezinha Helena de (coord.). Guia dos bens tombados do Estado do Ceará.. [S.l.]: Secretaria da Cultura e Desporto, 1995. 166 p. (Memória Cearense).
CUNHA, Maria Noelia Rodrigues da. Praças de Fortaleza.. Fortaleza: IOCE, 1990. 414p., Material Textual Impresso.
HOLANDA, Cristina Rodrigues (org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza: Museu do Ceará, 2009. 239 p. (Outras Histórias, 61).
BRUNO, Artur; FARIAS, Airton de. Fortaleza: uma breve história. 2. ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2015. 261 p., il. ISBN 9788575296721.
MENEZES, Antônio Bezerra de. Descrição da Cidade de Fortaleza. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza, t.9 p.147-290, 1895.
LINKS
Buffalo Soldier – música e letra de Bob Marley & The Wailers | Spotify
A origem da igreja do Rosário em Fortaleza - Ceará Criolo (cearacriolo.com.br)
IBGE | Biblioteca | Detalhes | Monumento ao General Tibúrcio : Fortaleza, CE