Texto: Tinally Carneiro
Começando pelo início. Numa das inúmeras visitas ao centro da cidade de Fortaleza, chegamos à arborizada Praça dos Mártires ou também como é conhecida como Passeio Público. Historicamente, a primeira praça de Fortaleza, cuja construção data-se de 1864, mas narrativas que por lá passaram surgiram um pouco antes, no início do século XIX.
Pela poesia do compositor da terra Ednardo (1945), a música “Passeio Público” de 1976 traça liricamente os dramas históricos vivenciados pela então praça, antigamente situada como “Campo de Pólvora” da Fortaleza Nossa Senhora de Assunção. Assim ele inicia seus versos de forma melodiosa:
“Hoje ao passar pelos lados
Das brancas paredes, paredes do forte
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos
Ganidos de morte (...)”
Ednardo clama por Bárbara, a personagem histórica Bárbara de Alencar (1760 - 1832) que lutou contra o colonialismo português. Estórias mais profundas afirmam a sua prisão e tortura até a morte na Fortaleza que margeia o atual Passeio Público. Ainda na luta pela independência do Ceará, nascia a semente em Quixeramobim com Tristão Gonçalves, que eclodiu meses depois na Confederação do Equador (1824). Dos “fantasmas errantes de sonhos eternos”, cantados por Ednardo, um Baobá foi plantado em 1910 como símbolo de resistência e vida duradoura para os mártires fuzilados a olhos vistos em 1825. Carapinima, Padre Mororó, Azevedo Bolão, Padre Ibiapina, Pessoa Anta. Fortes, resistentes e por assim dizer, bárbaros. Esse é o retrato da primeira metade do século XIX na praça ainda campo, areal e ventos do Atlântico. A cidade de Fortaleza então fica afrancesada. A Bélle Epoque (1871 - 1914) com seus avanços tecnocientíficos toma conta da elite cearense que almejava os novos hábitos culturais exportados especialmente de Paris. Eram cafés, boulevards, teatros, ideologia filosófica-política e moda francesa. A Praça dos Mártires, antes palco de sangrentos eventos, se transformou no Passeio Público de Fortaleza, remodelado em 1880 pelo plano urbano de Adolfo Herbster. O antigo areal em declínio para o mar foi rearranjado em três planos escalonados que nasciam na antiga Rua da Misericórdia (atual Rua Dr. João Moreira) até a Praia de Maceió, onde funcionava o ancoradouro desde 1649.
O Passeio Público pensado de forma escalonada validava a segregação espacial, propondo o primeiro plano reservado para a elite cearense com mobiliário urbano e iluminação pública adequados, a vista para o verde mar e passeios internos arborizados. O segundo plano do Passeio favorecia a classe média, com árvores, uma cascata artificial, um lago com estátua da deusa romana Diana no centro e o Cassino Cearense. O último plano, próximo ao mar, foi reservado para as classes populares. Este quadrilátero popular abrigava um mini zoológico com animais soltos, pavilhões para atividades comerciais e recreativas, assim como um lago artificial alimentado por uma das ramificações do Riacho Pajeú. Uma estátua de Netuno guardava aquelas águas doces, porém não controlava aquele universo. Logo na virada do século, novas configurações urbanas acontecem e o segundo e terceiro planos são modificados pela malha urbana, restando apenas o primeiro plano tal qual vemos atualmente.
Entre bancos, árvores e muita história, o Passeio Público de Fortaleza permanece na memória afetiva da cidade. E, certamente, vivenciar o espaço outras costuras serão feitas. Dialogando mais uma vez com o poeta Ednardo, “se deixe ficar por instantes na sombra desse baobá” e procure entender os segredos. Eles, os segredos, falam sobre nós.
E para finalizar, o vídeo imprescindível do professor Evaldo Lima sobre o passeio público.